"Génesis" (Génese) y otro poema de Nuno Júdice

                                       GÉNESIS

Todo  poema comienza por la mañana, con el sol. Incluso

aunque el poema no esté a la vista (esto es, cielo anunciando

      lluvia)

el poema es lo que explica todo, lo que da luz

a la tierra, al cielo, y con nubes entremezcladas -la luz molesta

cuando es excesiva. Después, el poema sube

con la niebla que el día arrastra; se mete por las copas de los

árboles, canta con los pájaros y corre con los riachuelos

que vienen no se sabe de dónde y van hacia donde

no se sabe. El poema cuenta cómo se hace todo;

menos él mismo, que comienza por un azar gris,

como esta mañana, y acaba, también por azar,

con el sol queriendo brotar.

Versión original en portugués:

                              GÉNESE

Todo poema começa de manhã, com o sol. Mesmo
que o poema não esteja à vista (isto é, céu de chuva)

o poema é o que explica tudo, o que dá luz

à terra, au céu, e com nuvens à mistura -a luz incomoda

quando é excesiva. Depois, o poema sobe
com as névoas que o dia arrastra; mete-se pelas copas das
árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros
que vêm não se sabe de onde e vão para onde
não se sabe. O poema conta como tudo é feito:
menos ele próprio, que começa por um acaso cinzento,
como esta manhã, e acaba, também por acaso,
com o sol a querer romper. 

                                De A condescendência do ser (1988)

                                  COLORES

Hay una pared blanca en todos los veranos que traje

de la memoria. Me apetece escribir en ella; y se rasga

como si fuese una hoja. En el otoño, esa pared

se oscurece. En el invierno, el musgo la llena de una escritura

incomprensible. Sé dónde está, cuando necesito apoyarme

a su sombra. Un polvo de cal se me agarra

a los dedos. Me gusta ver la blancura de la piel,

bajo el sol intenso, y compararla con el blanco 

de la pared. Pero ni siempre el mundo se reduce a un ob-

jeto tan simple, ni sus problemas desaparecen

con una simple capa de tinta. La realidad nunca 

es blanca, como esta pared: se oscurece con el otoño,

se llena de musgo en invierno, y nadie la busca,

en verano, cuando el poniente la tiñe de rojo.
                              

                                                Versión de Vicente Araguas

Versión original en portugués:

                             CORES

Há una parede branca em todos os verões que trouxe

da memória. Apetece-me escrever nela; e rasga-se

como se fosse uma folha. No outono, essa parede

escurece. No inverno, o musgo enche-a de uma escrita

incompreensível. Sei onde está, quando preciso de

me encostar à sua sombra. Uma poeira de cal agarra-

-se-me aos dedos. Gosto de ver a brancura da pele,

sob o sol intenso, e de a comparar com o branco

da parede. Mas nem sempre o mundo se reduz a um ob-

jecto tão simples; nem os seus problemas desaparecem

com uma simples camada de tinta. A realidade nunca

é branca, com esta parede: escurece com o outono,

enche-se de musgo no inverno, e ninguém a procura,

no verão, quando o poente a tinge de vermelho.

        De Meditação sobre ruínas (1994)

En Nuno Júdice, Antología. 

Ed. de Vicente Araguas, Visor, 2003

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